segunda-feira, 28 de julho de 2014

O homem que gostava de ipês amarelos


Tantas vezes escrevi aqui e sempre tinha uma frase, um pensamento, uma idéia: sua.
Tanto te admirei que sempre quis ao menos tentar pensar como você.
Fico orgulhosa em lembrar que foram frases suas que foram o meu pedágio para pequena aba pedagógica que existe em minha vida, e que eu amo tanto.
Ah, Rubem, você podia ter deixado uma obra imensa escondida no meio do seu jardim, de surpresa, pra gente se deliciar. Não?
Me dói pensar que eu preciso ainda ler tanta coisa dele, e já li quase tudo. Agora me dou doses homeopáticas de Rubem Alves, por ter medo que se acabe minha poção de sabedoria.

Mas eu me vi feliz quando vi que você não ficou preso num corpo que não podia te servir mais. Que não ia mais poder te fazer ver os ipês amarelos. Fique alegre em ver que você se foi com a serenidade de ter vivido e ensinado plenamente.

Nesses dias reli tanta coisa sua. Tanta coisa que sempre me toca tanto... Como a história das pipocas:

"Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosas. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos."

Quer coisa mais linda e simples que isso? Como você consegue colocar em texto aquilo que sempre pensei sozinha???
Lembro de uma postagem que fiz, sobre o fogo, que também citei você.

Nos dias mais tristes, procuro lembrar:

"Compreendi, então, que a vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário,
de que a vida é um álbum de mini-sonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa
que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira
."

E percebi que vivi e tenho em memória momentos lindos e alegres, que justificam olhar sempre para as coisas com uma visão positiva e otimista. Acreditar que existe a mudança, que existe a esperança.

Procuro também me policiar na escutatória. Tenho muita tendência a falar. Pouco a ouvir...

"O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranqüila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção (...)
Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma." Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes: "Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas." Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos..."

E como gosto muito de falar, tenho sempre o costume de escrever. Aqui, cartas. Ah, as cartas:

"
A diferença entre a carta e o telefone é simples. O telefone é impositivo. A conversa tem de acontecer naquele momento. Falta-lhe o ingrediente essencial da palavra que é dita sem esperar resposta. E, uma vez terminado, os dois amantes estão de mãos vazias.
Mas a mulher tem nas mãos uma carta. A carta é um objeto. Se não tivesse podido recolher-se à sua solidão, ela poderia tê-la guardado no bolso, na deliciosa espera do momento oportuno. O telefonema não pode esperar. A carta é paciente. Guarda as suas palavras. E, depois de lida, poderá ser relida.
"

Tenho prestado mais atenção nas flores. Tem prestado mais atenção no céu. Nas árvores. Nas pessoas. Não é que eu não fizesse isso antes com certa admiração. Mas você me faz dar valor as coisas que vejo. Me faz ver Deus nesses mínimos detalhes. Me faz ver milagre em tudo.

"Não existe amor que resista a um corpo vazio de fantasias. Um corpo vazio de fantasias é um instrumento mudo, do qual não sai melodia alguma. Por isso, Nietzsche disse que só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar: "continuarei a ter prazer em conversar com esta pessoa daqui a 30 anos?
Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar."

A impressão que tenho é que eu poderia te ler por mais 30, 60 anos e sempre haveria de me encantar.

Lembrei também de uma frase: "Aquilo que está escrito no coraçao não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno." E lembrei que realmente lembro demais das coisas. Memória por demais de afiada. Bom. As vezes ruim, não é bom lembrar de coisas ruins com tantos detalhes. Mas aqui me regozijo porque percebo que aquilo de mais importante sempre está aqui, comigo, perto.

Assim, você me ensinou muito também sobre o amor. "Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar”. Talvez por isso minha teimosia em tentar. Em acreditar nele. Quando todo mundo diz pra não acreditar nele. Pensar num pássaro que voa e pode não voltar mais faz com que a gente valorize mais os momentos de proximidade com o pássaro...

Eu, que não sei definir o amor, penso sempre em suas definições. "Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. De alguma forma a gota de chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar afora. Morte e ressurreição. Na dialética do amor, a própria dialética do divino. Quem não pode suportar a dor da separação, não está preparado para o amor. Porque o amor é algo que não se tem nunca. É evento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E quando ele volta,a alegria volta com ele. E sentimos então que valeu a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro."

Se tem uma frase sua, que pra mim resume tudo o que você é, é essa: "As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos.
" Você sempre melhorou meus olhos. Me ensinou profissional, pessoal e, sobretudo, mente. Até minha religião se tornou mais clara com seus pensamentos. Em dias que a gente vê tanta coisa escrita: livros, internet. Fala-se e escreve-se sobre o que se quer. Torna-se um oásis as palavras que são para ajudar a ver o mundo melhor. As suas palavras são assim. Todas! Melhoram os olhos. E a maior beleza de tudo isso é que essas palavras, sua obra, torna você eterno. De um certo modo, você está sempre por aqui!

Ah Rubem Alves, você é assim. Das leituras, das vezes que te vi de perto. Dá sempre vontade de falar: Fica mais um pouco, fala um pouco mais. É gostoso te ouvir...

E pra encerrar, uma historinha simples, que resume o que é: "
Quero contar para vocês a estória que mais tenho contado - não aconteceu nunca, acontece sempre. Um homem muito rico, ao morrer, deixou suas terras para os seus filhos. Todos eles receberam terras férteis e belas, com a exceção do mais novo, para quem sobrou um charco inútil para a agricultura. Seus amigos se entristeceram com isso e o visitaram, lamentando a injustiça que lhe havia sido feita. Mas ele só lhes disse uma coisa: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá." No ano seguinte, uma seca terrível se abateu sobre o país, e as terras dos seus irmãos foram devastadas: as fontes secaram, os pastos ficaram esturricados, o gado morreu. Mas o charco do irmão mais novo se transformou num oásis fértil e belo. Ele ficou rico e comprou um lindo cavalo branco por um preço altíssimo. Seus amigos organizaram uma festa porque coisa tão maravilhosa lhe tinha acontecido. Mas dele só ouviram uma coisa: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá." No dia seguinte seu cavalo de raça fugiu e foi grande a tristeza. Seus amigos vieram e lamentaram o acontecido. Mas o que o homem lhes disse foi: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá." Passados sete dias o cavalo voltou trazendo consigo dez lindos cavalos selvagens. Vieram os amigos para celebrar esta nova riqueza, mas o que ouviram foram as palavras de sempre: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá." No dia seguinte o seu filho, sem juízo, montou um cavalo selvagem. O cavalo corcoveou e o lançou longe. O moço quebrou uma perna. Voltaram os amigos para lamentar a desgraça. "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá", o pai repetiu. Passados poucos dias vieram os soldados do rei para levar os jovens para a guerra. Todos os moços tiveram de partir, menos o seu filho de perna quebrada. Os amigos se alegraram e vieram festejar. O pai viu tudo e só disse uma coisa: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá..." Assim termina a estória, sem um fim, com reticências... Ela poderá ser continuada, indefinidamente. E ao contá-la é como se contasse a estória de minha vida. Tanto os meus fracassos quanto as minhas vitórias duraram pouco. Não há nenhuma vitória profissional ou amorosa que garanta que a vida finalmente se arranjou e nenhuma derrota que seja uma condenação final. As vitórias se desfazem como castelos de areia atingidos pelas ondas, e as derrotas se transformam em momentos que prenunciam um começo novo. Enquanto a morte não nos tocar, pois só ela é definitiva, a sabedoria nos diz que vivemos sempre à mercê do imprevisível dos acidentes. "Se é bom ou se é mau, sé o futuro dirá."


Outras postagens minhas com ele: 

Perguntas e Respostas 

O que amo

Com quem você quer envelhecer 

Livros 

Presépio

 

4 comentários:

  1. Um escritor que sempre mereceu minha admiração e respeito. Entendia a vida e conhecia bem o sentir, pelo espírito e pela formação. Ele se foi, mas seu legado está à disposição dos que amam palavras bem colocadas. Bjs.

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  2. Descanse em paz.
    Uma bela homenagem.

    bjokas =)

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  3. Lindo texto! Você conseguiu expressar bem tantos sentimentos que nos despertam as obras de Rubem Alves. Sem dúvidas, ele fará muita falta...
    Identifiquei-me completamente com a frase: "A impressão que tenho é que eu poderia te ler por mais 30, 60 anos e sempre haveria de me encantar." É assim que eu penso. A cada releitura de Rubem Alves, mais me encanto e descubro novos enfoques. Ele é eterno.
    Abraços e parabéns pela homenagem!

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  4. Querida amiga

    Quando Rubem morreu, foi como se uma
    parte de nós também partisse...

    Escrevi em meu blog um texto neste dia,
    depois quando puder, dê uma olhadinha...


    Às vezes as palavras
    se escondem em nossas vidas.
    Então,
    saímos em busca de inspiração
    nos lugares onde a amizade
    se faz preciosa,
    (lugares como este)
    pois são os amigos
    que guardam as melhores
    palavras de nossa vida,
    para nos devolver e inspirar
    quando estivermos distantes
    de nós mesmos...

    Obrigado por sua generosa amizade...

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